Assessoria jurídica do Sinasefe: “Decreto 9991/19 fere autonomia das IFES, restringe e burocratiza a política de capacitação de servidores”

O decreto do governo federal 9.991/19, expedido por Jair Bolsonaro no dia 29 de agosto e em vigência desde 6 de setembro, altera dispositivos legais que regem as possibilidades de afastamentos e licenças para capacitação, participação em programas de pós graduação “strictu sensu”, realização de estudos no exterior e participação em programas de treinamentos de servidores públicos da União. O documento se insere na Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP), elaborada pelo governo federal, e tem 30 dias para ser implementado pelos órgãos da administração pública federal.

Segundo Nota técnica da assessoria jurídica do Sinasefe
, o decreto aumenta o controle da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal sobre as IFES, ferindo a autonomia constitucional garantida a elas. A Secretaria, informa a nota, submete o processo de escolha dos servidores que irão participar de programas de pós-graduação stricto sensu aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal (Sipec), e não mais às próprias IFES. Além disso, vincula diretamente as Instituições Federais de Ensino aos modelos, metodologias, ferramentas e trilhas de desenvolvimento estabelecidas pela Secretaria.

“As quatro possibilidades de afastamento só poderão ser concedidas se estiverem previstas no PDP do órgão ou entidade do servidor e, ainda, se estiverem alinhadas ao desenvolvimento do servidor nas competências relativas ao seu órgão de exercício ou de lotação, à sua carreira ou cargo efetivo e ao seu cargo em comissão ou à sua função de confiança, tudo isso aliado à necessária incompatibilidade entre o horário ou local da ação de desenvolvimento e a jornada semanal de trabalho do servidor. Tais exigências não constavam do regramento anterior da matéria”, denuncia a assessoria jurídica.

O decreto também limita o usufruto de licenças e afastamentos a apenas 2% do total de servidores do órgão, a atividades cuja carga horária semanal ultrapasse 30 horas, e tipifica quatro situações como passíveis de requerimento de licença pelo servidor:

  1. Ações de desenvolvimento presenciais ou à distância, que podem ser organizadas de modo individual ou coletivo;
  2. Elaboração de monografia, trabalho de conclusão de curso, dissertação de mestrado ou tese de doutorado;
  3. Participação em curso presencial ou intercâmbio para aprendizado de língua estrangeira, quando recomendável ao exercício de suas atividades, conforme atestado pela chefia imediata;
  4. Curso conjugado com:
    a) atividades práticas em posto de trabalho, em órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta dos entes federativos, dos Poderes da União ou de outros países ou em organismos internacionais;
    b) realização de atividade voluntária em entidade que preste serviços dessa natureza, no país ou no exterior, ficando em aberto a possibilidade de definição de critério de concessão pelos órgãos e entidades.

Caso o servidor exerça cargo em comissão ou função de confiança, explica a nota técnica, precisará pedir exoneração ou dispensa nos afastamentos superiores a 30 dias consecutivos. Além disso, o servidor deixará de receber eventuais gratificações e adicionais, tendo direito apenas à remuneração do cargo efetivo.

Da mesma forma, a concessão da licença dependerá da avaliação, pela autoridade responsável, se o afastamento do servidor inviabilizará o funcionamento do órgão; e ele não terá garantia de reembolso das despesas com inscrição nas atividades para qual requereu licença. De acordo com o Decreto, a quitação da Administração Pública estará vinculada a “existência de disponibilidade financeira e orçamentária” entre outros condicionantes. Da mesma forma, mesmo se houver a autorização e o servidor iniciar seus estudos ou seu trabalho licenciado, poderá ser reconvocado ao órgão de origem ao interesse discricionário da Administração.

Dessa forma, conforme explica a nota, as medidas tendem a dificultar a capacitação e desenvolvimento dos servidores. “As previsões do Decreto 9991, ao invés de contribuírem para a melhora do processo de desenvolvimento e qualificação dos servidores, em verdade representarão entraves ao mesmo. Ao retirar dos órgãos a que vinculados os servidores a autonomia na avaliação das necessidades e execução das ações de desenvolvimento referidas e ao impor empecilhos que desestimularão, restringirão ou burocratizarão a busca do servidor por aperfeiçoamento”, conclui.

Como fica a situação de professores e técnicos

A assessoria faz a ressalva de que a Lei 12.772/12, que estrutura a carreira de Magistério Superior e de EBTT, garante regulamentação específica às licenças capacitação dos professores e, por se tratar de Lei, possui validade jurídica superior ao do Decreto. Dessa forma, em tese, os professores enquadrados nesta Lei estão protegidos dos efeitos da medida. “Pelo princípio da especialidade, a Lei nº 12.772/2012 é que deve reger os atos administrativos concessivos de afastamentos aos ocupantes de cargos do magistério federal, de modo que o Decreto n. 9.991/2019, por contar com disposições divergentes e hierarquicamente inferiores à força normativa da lei supracitada, resta inaplicável”, explica.

No caso da carreira dos Técnico-Administrativos em Educação, a regulamentação se dá por meio do Decreto nº 5.825/2006, que prevê que as “ações de planejamento, coordenação, execução e avaliação de atividades de licenças e afastamentos para estudo e capacitação são de responsabilidade do dirigente máximo da IFE e das chefias de unidades acadêmicas e administrativas em conjunto com a unidade de gestão de pessoas”. Embora o peso jurídico do Decreto 5.825 seja o mesmo do Decreto 9.991, a nota da assessoria jurídica explica que a norma de 2006 é mais específica que a atual, mais genérica e, desse modo, por força do princípio da especialidade, o Decreto 5.825 prevalece sobre o 9.991.

Denúncia de ilegalidade

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) se manifestou também, por meio de sua assessoria jurídica, contrário ao Decreto e definiu-o como ilegal, por alterar regras já contidas nas leis vigentes e extrapolar o poder regulamentar do Poder Executivo, além de destacar que o Decreto possui estatuto jurídico inferior ao da Lei. Da mesma forma, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos da medida. O PDL 607/2019
foi protocolado pelo deputado Ivan Valente (Psol/SP) na quarta-feira da semana passada (4/9).

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