O Sintef-GO tem procurado contribuir com o debate político em curso na sociedade brasileira. Na atual conjuntura, marcada por uma profunda recomposição social e política das forças conservadoras, autoritárias e fascistas, esse debate se faz fundamental com vista a defender as organizações da sociedade civil em face do autoritarismo (ou oficialismo) de Estado, os direitos sociais e trabalhistas ameaçados, a autonomia das instituições públicas que desempenham funções sociais e as liberdades democráticas em retrocesso mediante avanço do Estado de Exceção.
É nesse contexto que se insere a realização de eleições para reitores e diretores de campus, em alguns dos Institutos Federais, em 2021. No Instituto Federal de Goiás (IFG), esse processo já está em andamento, com processo eleitoral em curso, tanto em termos formais quanto por meio de articulações políticas. Essa realidade amplifica ainda mais a importância que o debate político ocupa nessa conjuntura.
Assim, o Sintef-GO vem a público se posicionar em relação à atual conjuntura política e, sobretudo, o lugar e a importância que as referidas eleições assumem quanto à defesa dos Institutos Federais, ao aprofundamento de uma função social voltada para as maiorias sociais, à construção de relações democráticas internas a essas instituições e à preservação de relações de trabalho que contemple os interesses dos servidores docentes e técnico-administrativos.
Por que eleições para gestores e conselhos representativos nas Instituições de Ensino Superior?
A importância das eleições para reitor, diretor de campus e conselhos representativos nas Instituições de Ensino Superior (IES), nelas incluídos os Institutos Federais, vai muito além da eleição deste ou daquele nome. Primeiramente, as eleições expressam uma conquista política primária que consiste na defesa e promoção de um sistema de representação política nas IES. Sistema de representação que pode se constituir em um espaço de luta contra as manifestações políticas patrimonialistas – que consiste na utilização da esfera pública em favor de interesses privados, ou simplesmente privatização do espaço público – e autoritárias – que podem assumir formas explícitas ou veladas.
As eleições se constituem em processos políticos nos quais ocorrem, objetivamente, o comprometimento de candidaturas com reivindicações ‘progressistas’ ou ‘regressistas’ dos segmentos internos das Instituições de Ensino Superior. Em nossa perspectiva, as eleições e candidaturas devem se constituir em “veículos” de compromissos e reivindicações‘progressistas’, expressas em relações institucionais democráticas e transparentes.
Sobretudo, as eleições para reitor, diretor de campus e conselhos representativos nas Instituições de Ensino Superior (IES) podem concorrer para construir e consolidar a dimensão de “sociedade civil” – que é o controle das IES por parte das comunidades interna e externa – em detrimento da dimensão “sociedade política” – que é o controle do Estado sobre as mesmas. A afirmação da dimensão “sociedade civil” em detrimento da dimensão “sociedade política” envolve necessariamente a efetiva conquista da autonomia institucional em relação ao Estado e a democratização das IES mediante protagonismo das comunidades interna e externa na definição dos seus rumos.
Enfim, as Instituições de Ensino Superior são campos de relações sociais nos quais materializam e disputam projetos de sociedade e de instituição. Internalizar essas perspectivas e dimensões nas eleições pode determinar a orientação da função social das IES. Desse modo, do ponto de vista da defesa de projetos progressista de IES, será possível reorientar as IES: De instituições que fundamentalmente se produzem e se reproduzem, sob gestão autocrática, prioritariamente voltada para o capital, por meio de uma cultura institucional empresarial, podemos reorientá-las como instituições democráticas que se produzam e se reproduzam prioritariamente para o mundo do trabalho.
Breve histórico das eleições e gestões nas instituições da Rede Federal de EPCT
A luta por eleições para os gestores e conselhos representativos das instituições que compõem a Rede Federal de EPCT teve início em meados dos anos 1980. Refletia um contexto de crise do Regime Empresarial-Militar iniciado no país em 1964 e de transição para o Regime na Nova República de caráter liberal-conservador inaugurado a partir de 1985. Também refletia um processo de contestação ao padrão de gestão autocrático personificado, que redundava em uma gestão completamente subordinada ao MEC/SETEC.
A Rede Federal de EPCT, sobretudo as Escolas Técnicas Federais (ETF) como um todo foi afetada pela crise institucional que a Escola Técnica Federal de Goiás (ETFG) vivenciou a partir de 1984. Crise que culminaria no afastamento do Diretor Geral e na abertura de um processo de consulta à comunidade interna para a indicação do novo diretor conduzido em dois turnos e que culminaria na elaboração de uma lista tríplice encaminhada ao MEC.
Esse processo, permeado de articulações políticas internas e externas à ETFG, culminou na indicação do segundo colocado no processo de consulta. De todo modo, esse processo materializou, com todas as limitações possíveis, os primórdios do que se pode compreender como “eleições” na Rede Federal de EPCT.
Também teve curso debates e lutas em torno do caráter e atribuição dos conselhos representativos. Grosso modo, a maioria dos gestores, ancorados em perspectivas de gestão autocrático-personalistas, procuraram restringir esses conselhos a um caráter meramente consultivo, com atribuições de aconselhamento nos assuntos que estes pautavam. Em contraposição, predominou na comunidade interna e nos seus representantes a perspectiva de infundir um caráter deliberativo aos conselhos representativos, bem como que os mesmos pudessem compartilhar o poder de estabelecimento das pautas e deliberações. Essa perspectiva de caráter e atribuições dos conselhos representativos internalizava a resistência às gestões autocrático-personalistas em favor de gestões democrático-participativas.
No período compreendido entre meados dos anos de 1990 e primeira metade dos anos de 2000 ocorreram eleições frequentemente conduzidas em dois turnos, com o encaminhamento de lista de nomes ao MEC formada entre os integrantes da chapa vitoriosa. Nesse período, os conselhos representativos permaneceram com caráter estritamente consultivo e subordinado às gestões das instituições da Rede Federal de EPCT. No período compreendido entre meados dos anos 2000 à lei de criação dos Institutos Federais – Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 –, ocorreram eleições com o encaminhamento do nome do candidato a diretor geral do CEFET ao MEC. Posteriormente à promulgação da referida lei, foi encaminhado o nome do candidato vitorioso, sendo o mesmo homologado, conforme previsto por essa lei. Todavia, permaneceu o predomínio de padrões de gestão autocrático-personalistas e a resistência de muitos gestores à afirmação de caráter deliberativo e atribuições proativas aos conselhos representativos.
Balanço geral das eleições e das gestões na Rede Federal de EPCT
Os segmentos progressistas das instituições que integram a Rede Federal de EPCT conceberam as eleições como parte integrante de um processo de democratização interna e externa das instituições, de afirmação da autonomia institucional e de abertura das mesmas às maiorias sociais. Todavia, não raramente as eleições redundaram em gestores eleitos com prática em conflito aberto ou velado quanto a esses três objetivos.
Grosso modo, as eleições redundaram na: descontinuidade entre compromissos de campanha e efetiva gestão; campanha eleitoral e gestão personalista; reprodução de concepções e práticas patrimonialistas que se fizeram acompanhar das suas contrafaces históricas (clientelismo, fisiologismo, filhotismo, etc); tentativa de adiamento da construção de instâncias de participação democrática, de controle das mesmas por meio da sua composição e de banalização do seu funcionamento; eleição e gestão que se prendiam no aspecto eminentemente formal e administrativo (com ausência quase que completa de “imagem futuro de instituição” que se quer construir).
Em que pese concepções e práticas políticas e de gestão deletérias em relação aos objetivos que os segmentos progressistas buscaram alcançar, ocorreram elementos positivos nesse processo. Dentre os mesmos, pode-se destacar a preservação do espaço da política e de projetos que se desenvolvem “fora” de uma ordem social hegemônica; a promoção de debates e a circulação de ideias; a preservação de espaços de resistência ativa ao autoritarismo e ao assédio profissional sobre servidores docentes e técnico-administrativos; a ampliação de condições de atuação de movimentos sociais de defesa de direitos e condições de trabalho, e a condução de movimentos de resistência, inclusive grevistas.
A atual conjuntura realça a importância das eleições na Rede Federal EPCT
Na atual conjuntura brasileira, marcada pelo processo de aprofundamento do Golpe de Estado de 2016, presenciamos a acentuação de características liberais autoritárias, patrimonialistas e fascistas na composição do sincrético Estado autocrático brasileiro. Tal processo se expressa num poderoso movimento político regressista, dando lugar, dentre outras tantas manifestações, ao esfacelamento das políticas sociais do Estado, à liquidação de direitos trabalhistas elementares e à restrição da autonomia institucional das instituições federais de educação. Esse quadro realça a importância das eleições nas instituições que integram a Rede Federal EPCT, e do IFG em particular, em 2021.
Está em curso um inequívoco processo de desmonte do projeto inicial dos Institutos Federais, expresso na sua lei de criação. Desmonte que passa por iniciativas como: ofensiva da “cultura empresarial”, a exemplo do projeto “Future-se”; restrição brutal das fontes de financiamento, como no orçamento institucional de 2021; perseguição político-administrativa dos servidores públicos que se manifestam criticamente acerca da realidade do país e das suas instituições; intensificação do trabalho docente com foco unicamente no ensino, rompendo com o tripé ensino, pesquisa e extensão, conforme estabelece objetivamente a Portaria 983/2021. A tramitação do PL 1.453/2021, para além de elevar para 75% as vagas de cursos técnicos aligeirados ameaçando o Ensino Médio Integrado (EMI), reforça a atuação da Rede Federal no atendimento ao 5º itinerário formativo do novo Ensino Médio e restringido a atuação das instituições da Rede Federal na graduação (bacharelado e licenciatura); impõe que as instituições da Federal EPCT atuem apenas em pós-graduação profissional; elimina a eleição direta dos gestores da instituição, impondo a obrigatoriedade da lista tríplice para a escolha dos dirigentes das instituições, abrindo caminho para as interferências político-partidárias nas instituições e promovendo um novo golpe à autonomia institucional.
A atual conjuntura nacional e institucional tem que permear o debate eleitoral na Rede Federal EPCT e no IFG. É fundamental que candidatos e apoiadores se posicionem perante a comunidade acerca dessas questões. Os segmentos progressistas que integram estas instituições devem intervir no processo das eleições concorrendo para que as mesmas acolham um amplo debate acerca do atual momento político do país, da Federal EPCT (e do IFG), influindo decisivamente para a afirmação eleitoral das posições alinhadas à defesa da autonomia institucional, da instituição aberta às camadas populares e da participação direta da comunidade na formulação das políticas e compromissos institucionais.
Dessa forma é importante que a comunidade acadêmica (docentes, técnicos administrativos e discentes) se apresente e participe efetivamente dos debates, das eleições e dos espaços de construção coletiva da Instituição.
Sintef-GO,
Na Luta