A compreensão do significado e em que direção opera o Ofício-Circular nº 08, de 04 de fevereiro de 2020, encaminhado pelo Ministério da Educação aos gestores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), demanda situá-lo de modo abrangente. Sobretudo, demanda posicioná-lo em relação à Proposta da Emenda Constitucional 438/2018, que passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 14 de dezembro de 2019, quando aprovou a admissibilidade da proposta que regulamenta a chamada “regra de ouro” do orçamento.
A PEC 438 – que altera os arts. 37; 167, III; 168 e 239 da Constituição Federal e acrescenta ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias os arts. 36-B e 115, para conter o crescimento das despesas obrigatórias, regulamentar a “regra de ouro”, instituir plano de revisão das despesas, e dar outras providências – foi concebida pela equipe econômica do Governo Temer em articulação com a maioria conservadora e neoliberal do Congresso Nacional, e apoiada pela maioria dos governadores, com vista à redução temporária de jornada de trabalho e salário dos servidores públicos para “frear o crescimento das despesas obrigatórias” e regulamentar a chamada “regra de ouro”. Esse dispositivo impede a União, os estados e os municípios de obterem dívidas para bancar gastos correntes, como salários. Pelo texto, a diminuição de jornada de trabalho e de salário será uma iniciativa para o ente público (União, estados e municípios) cumprir a “regra de ouro”, bem como abre caminho para a demissão de concursados que ainda não possuem estabilidade e para a venda de ativos e bens públicos.
A PEC 438 ataca em especial o princípio constitucional da chamada “despesa obrigatória”, subordinando cada vez mais o orçamento público à dívida pública e às condições fiscais deletérias do poder público em face de aspectos como recessão econômica, desonerações fiscais e redução de impostos sobre o grande capital.
Lembre-se que o esforço por essa aprovação foi redobrado em reação ao fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter formado maioria contrária à diminuição de jornada de trabalho e de salário dos servidores públicos por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade. Assim, a PEC 438 busca incluir esse dispositivo na Constituição.
Saliente-se que a regulamentação da “regra de ouro”, que vem sendo articulada e desenvolvida ao longo dos governos neoliberais – moderado de Lula/Dilma e extremado Temer/Bolsonaro –, converteu-se em uma das três âncoras fiscais do neoliberalismo-flexível, como forma de sequestrar o orçamento público e redirecioná-lo ao pagamento da dívida pública: uma das principais fontes de garantia de rendimentos do capital rentista nacional e internacional proprietário dos títulos da dívida pública. Desde a posse de Bolsonaro (Aliança pelo Brasil), mas, sobretudo após o posicionamento do STF, tem-se aumentado o empenho pela aprovação do novo marco disciplinador da “regra de ouro” do orçamento, na forma da Proposta da Emenda Constitucional 438/2018, instituindo gatilhos, com a finalidade de efetivar os referidos sequestro e direcionamento. Enfim, a PEC 438/2018 caracteriza-se por ser uma contrarreforma administrativa indireta, caso a contrarreforma administrativa original/PEC Emergencial, em face de um governo imerso em crises recorrentes e tramitando em um ano de eleições municipais, não venha a ser aprovada.
O Ofício-Circular nº 08, de 04 de fevereiro de 2020, via Ministério da Educação, visa impor tais fundamentos nas IFES, antes mesmo que tramitem no Congresso Nacional. Trata-se de um sistema de controle autocrático das IFES e seus dirigentes, tanto com o intuito de cooptá-los, quanto de intimidá-los e imobilizá-los politicamente – ameaçando-os de serem processados por crime de responsabilidade fiscal – bem como de desestruturação, desorganização e reconfiguração privatista dessas instituições.
Recuperando, o Ofício-Circular nº 08, de 04 de fevereiro de 2020, dirigido às IFES, “informa” mudanças no tratamento das despesas obrigatórias previstas no orçamento, alertando aos gestores sobre a redução do orçamento e a consequente necessidade cumpri-lo sem incorrer no crime de responsabilidade fiscal. Efetivamente, o MEC, em virtude dos cortes no orçamento promovidos por este governo e já antecipando ações que constarão da Reforma Administrativa, transferiu para os gestores a responsabilidade e o trabalho sujo de precarizar e extinguir nossas carreiras. Em nossa leitura, o ofício suspende (ou leva a suspender), por tempo indeterminado, a implementação de: aposentadorias; progressão de qualquer natureza (promoção, aceleração da promoção); contratação de professor substituto; retribuição por titulação e RSC; incentivo à qualificação; gratificação por encargo de curso e concurso; adicional noturno; horas extras; inclusão de novos adicionais de insalubridade; inclusão de novos adicionais de periculosidade; novas solicitações de auxílio transporte; indenização de férias; novas solicitações de ressarcimento à saúde; auxilio natalidade e pré-escolar, etc. Em consequência das múltiplas e diversas implicações e desdobramentos que o Ofício-Circular acarretará nas IFES, promoverá profundos impactos em termos do ensino, pesquisa e extensão ofertados, mas também aos TAEs, docentes, trabalhadores terceirizados, discentes e segmentos externos que recebem ou se beneficiam da presença dessas instituições. Enfim, o Ofício-Circular poderá levar as IFES a um processo de desestruturação e à desagregação das carreiras dos seus servidores, quebrando a resistência à sua gradativa privatização mediante programas como o famigerado “Future-se”.
Reitores/reitorias tenderão a ter pelo menos três comportamentos: aos conservadores/neoliberais a pronta adesão, com a “desculpa” de que são obrigados a implementar o Ofício-Circular porque veio de cima para baixo; aos comprometidos com a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, a autonomia institucional e as liberdades democráticas, a condução de ações persecutórias por parte das corporações burocráticas de Estado; e aos “centristas” e intimidados, a obediência passivizada.
As entidades nacionais dos servidores das IFES (ANDES, FASUBRA e SINASEFE), em que pese o atual Estado de Exceção vigente no país, tem que questionar este Ofício-Circular juridicamente, tendo em vista afirmar a sua inconstitucionalidade, posto que não se pode mudar despesas obrigatórias e obrigações legais previstas em lei por meio de “ofício-circular”. Todavia, é prioritariamente a luta de massas nas ruas o caminho para derrotar esta medida.
Assim, o Sintef-GO conclama à categoria a aderir e participar ativamente das mobilizações em defesa da autonomia das IFES e do serviço público, sem o que não será possível garantir, efetivar e democratizar o acesso à educação, saúde, previdência social e moradia. A luta que se trava no Brasil é uma luta de vida e morte, entre a civilização e a barbárie; entre a democratização e autocratização da vida social. Fiquemos e caminhemos juntos, ombro a ombro, na luta pelos processos civilizatórios, democratizantes e emancipatórios.
Versão em PDF: Nota sobre o Ofício-circular nº08, de 04.02 de 2020
Sintef-GO,
Na luta!
Goiânia, 18 de fevereiro de 2020.