O Sintef-GO e o SINASEFE saúdam a realização da 5ª Edição do Encontro de Culturas Negras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – IFG, que se realiza no Câmpus Uruaçu do IFG, de 30 de novembro a 2 de dezembro de 2023. O evento, que já é um marco nacional em termos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e é de grande relevância regional no que se refere às questões da igualdade racial em educação, contribui para promover a reflexão crítica e o fortalecimento da Política de Igualdade Racial no IFG. Como parte da celebração do Dia Nacional da Consciência Negra, o ECN propicia, por meio de uma programação de atividades acadêmicas e culturais, em que são socializados projetos de ensino, pesquisa e extensão, o debate sobre as políticas de acesso docente, administrativo e discente, bem como as políticas de comunicação e permanência estudantil no tocante às questões da igualdade racial em educação institucionalizada no IFG.
O Sintef-GO e o SINASEFE compreendem ser imprescindível o aprofundamento cotidiano do estudo sobre a particularidade negra e africana, bem como a indígena e a latinoamericana na luta antirracista em nossa sociedade e na educação e, por isso mesmo, destacam a importância do ECN promovido pelo IFG. O evento joga luz sobre disputas políticas colocadas em nosso presente por meio de suas pautas e das apresentações de trabalhos artístico-culturais e dos debates, como já indica o tema da edição de 2023: “Africanidades, antirracismo e políticas públicas”.
É com vista a contribuir com o debate acerca dessa dimensão política do ECN que o Sintef-GO e o SINASEFE buscam aqui colocar em relevo algumas dessas disputas políticas no âmbito da educação e o contexto que as atravessa.
Nossa análise parte da ideia basilar de que a luta pela igualdade racial, pela inclusão e pela diversidade é inerentemente perpassada pela luta de classes. Não é possível, portanto, pensarmos e agirmos sem contextualizá-la nos moldes de uma estrutura capitalista vigente, que historicamente silencia, invisibiliza e exclui a comunidade negra (e também a indígena), exigindo de nós, como classe, o combate ao capitalismo.
Combater o capitalismo como classe, contemplando a sua diversidade e multiplicidade
O capitalismo se fundamenta na exploração econômica, na dominação política e na opressão ideológica, daí a relação sistemática entre dominação e opressão com a exploração econômica capitalista. Portanto, a questão da opressão, sob formas como racismo, machismo, LGBTfobia, etarismo, preconceito regional e xenofobia, não pode ser abordada fora da dimensão de classe e do combate ao capitalismo.
A classe trabalhadora existe, objetivamente, como diversidade e multiplicidade de grupos e segmentos que a compõem. Todavia, esses grupos e segmentos experimentam e vivem a partir de formações histórico-sociais específicas, que lhes impõem maneiras diferentes e condições (sociais, econômicas, políticas e culturais) muito distintas. Por isso, se queremos conhecer melhor a nossa própria classe, para colocá-la em processo de organização, movimento e luta, é fundamental conhecê-la em sua diversidade e multiplicidade, o que requer reconhecimento e atuação em sua particularidade, ultrapassando a sua apreensão enquanto totalidade abstrata, em favor da sua apreensão enquanto totalidade concreta.
As relações de determinação sócio-econômica e de centralidade político-ideológica para com a totalidade da classe trabalhadora é um dos fundamentos da sua emancipação, o que exige a defesa solidária e a suplantação das formas regressivas e opressoras presentes no seu senso comum, a exemplo do racismo.
É equivocada a perspectiva de luta da classe trabalhadora como a soma das lutas da diversidade e da multiplicidade de grupos e segmentos que a compõem, pois não confronta com o fundamento do capitalismo e da sociedade burguesa que são as suas relações sociais de produção. Essa perspectiva resulta na apropriação e na cooptação das demandas e lutas da nossa classe por parte da classe burguesa.
A contraposição ao fundamento e às formas do capitalismo e da sociedade burguesa tem que ser realizada pela classe trabalhadora em sua diversidade e multiplicidade, orientada pela construção de uma sociedade alternativa, fundamentada na emancipação humana. A saída individualista que o sistema apregoa, pela via empreendedorismo (empresarial, social etc.), é não somente a quebra do projeto da classe, mas é também uma dimensão reativa burguesa que visa desorientar a classe e atenuar mobilizações contra a crise capitalista mundial em aprofundamento.
Portanto, somente ação político-organizativa de totalidade da classe em movimento e luta, com base em um programa geral classista e anticapitalista, poderá levar a classe trabalhadora mais à frente, em direção à sua emancipação. Daí a necessidade de que a luta antirracista – como todas as lutas ditas de “minorias” ou “específicas” – esteja integrada a uma dimensão política classista e anticapitalista.
Caminhos necessários possíveis da luta antirracista
Na sociedade brasileira existem diversos caminhos necessários possíveis para a construção da luta contra as opressões, como parte da luta de classe trabalhadora, dentro das instituições públicas e das entidades da sociedade civil do mundo do trabalho. Em termos das lutas econômico-sociais, no setor privado, é fundamental a equiparação salarial entre não brancos e brancos, que o capitalismo resiste em absorver. Já no setor público, ao qual dispensamos mais atenção aqui e no qual essa equiparação formal existe, é imprescindível a luta pela reserva de vagas (ou cotas), em favor de negras/os e de indígenas, nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos no âmbito da administração pública federal, das fundações públicas, das autarquias e das empresas públicas.
O sistema de reservas de vagas, para além de uma necessária reparação histórica, é uma mediação tática da construção da identidade e da organização da classe trabalhadora como um todo. Deve ser defendido com firmeza, seja no acesso de servidoras/es, seja no acesso de estudantes. Todavia, o sistema de reservas de vagas, enquanto defesa tática de grupos e de segmentos da classe trabalhadora, tratado como um fim em si mesmo, exposto à reprodução da estrutura social vigente e ao liberalismo, levará apenas a uma estrutura social opressora e excludente com uma diversidade distribuída nos seus diversos níveis sociais. Portanto, defendemos que ele precisa compor o programa classista e anticapitalista que oriente a classe trabalhadora, sob pena de também ser apropriado e cooptado pela classe burguesa, convertendo-se em ferramenta de reiteração da hegemonia burguesa nos segmentos mais bem remunerados da classe trabalhadora.
E estejamos mobilizadas/os, pois, no que tange especificamente às negras e aos negros, essa reserva de vagas, que é de 20% no ingresso ao serviço público federal, aprovada por meio da Lei nº 12.990/2014, de vigência prevista para 10 anos, será encerrada em junho de 2024, o que demanda mobilização política para a defesa da sua continuidade.
Temos que cobrar do poder público a produção e a consolidação de dados sobre a composição étnica nos contextos de atuação do serviço público federal e no próprio serviço público. O reconhecimento dessas composições étnicas é fundamental para a redefinição dos percentuais previstos dos sistemas de reservas de vagas, bem como para a elaboração de políticas voltadas para a afirmação social e cultural étnica e de equiparação na composição de instâncias decisórias e de gestão nas instituições e nas organizações da sociedade civil.
Em termos das lutas culturais, a inferiorização racial imposta pela sociedade burguesa está na base dos tipos de trabalho que ficam reservados a negras/os e a indígenas. Sabemos que o fundamento histórico reside na ideologia racista, que contemporaneamente está voltada para naturalizar o lugar de negras e negros nos serviços de limpeza e alimentação dentro das instituições e empresas, bem como nos serviços de portaria, segurança e trabalhos braçais menos remunerados. O trabalho que envolve a pesquisa científica e a reflexão teórica, quase sempre reservado às funções e às ocupações intelectuais formais, tem pouquíssima presença de negras/os e de indígenas.
Nos Institutos Federais, que não fogem a esse quadro, servidoras/es terceirizadas/os, extremamente precarizadas/os e excluídas/os da organização de classe, apartadas/os dos segmentos docente e técnico-administrativo, na sua grande maioria são formadas/os por negras/os (e em alguns estados também por indígenas). Por outro lado, o quadro de servidoras/es técnico-administrativas/os ou docentes, que desempenham funções formalmente intelectualizadas e que se encontram mais organizadas/os social e politicamente, têm pequena presença da comunidade negra (e indígena). São expressões do racismo estrutural, internalizado nas estruturas e nas relações de trabalho, articulando trabalho hierárquico alienado e divisão racial do trabalho.
Sabemos que o sistema de vagas não é capaz de explodir tal divisão, mas é uma mediação tática que pode acumular, no sentido dos objetivos estratégicos, à emancipação da classe em toda sua diversidade e multiplicidade tanto da dominação burguesa quanto das formas de opressão reproduzidas no seu próprio interior. Esse sistema deve ser um campo, entre outros, de criação de condições de formação cultural, desnaturalizando elementos ideológicos centrais na prática cotidiana. Cumpre papel formativo, sobretudo na juventude negra e indígena, fortemente afetada pelo racismo, com efeitos cruéis na subjetividade e nas condições de existência material.
Em termos pedagógicos, precisamos ser capazes de compreender e de explicar de maneira didática o que é o racismo, quais são as suas bases de reprodução social, porque ele é estrutural, quais são seus efeitos e como podemos superá-lo. Isso precisa acontecer nos espaços de cada campus, bem como na própria sala de aula, com diferentes mediações a depender do tipo de conteúdo que se leciona ou do fazer profissional e técnico que se opera.
É fundamental recorrermos ao método da teoria social que nos permite a apreensão do movimento de totalidade das sociedades capitalistas e burguesas contemporâneas, de forma a compreender a universalidade do movimento em sua essência e as suas materializações particulares negra, africana, indígena e latinoamericana. É preciso concorrer para que o método da teoria social esteja presente nos Núcleos de Estudos AfroBrasileiros e Indígenas (Neabis), contribuindo com estudos e pesquisas.
Em termos populares, é imprescindível atuarmos para estreitar laços das nossas instituições com as comunidades situadas ao seu redor, inclusive potencializando essa atuação por meio do movimento extensionista, de modo a promover debates políticos, discutir o bairro, a região e/ou a cidade e incidir nos níveis de consciência presentes nas comunidades. Esse movimento pode trazer a comunidade para dentro da escola, democratizando-a e contribuindo com o acesso ao conhecimento formal e às expressões artísticas e culturais em geral e negras e indígenas em particular.
Pesquisas e estudos acerca da composição racial dos contextos de atuação institucional e a luta antirracista também têm que ocupar lugar de destaque no movimento extensionista, pois pode, entre outras possibilidades, revelar lutas dos povos negros e indígenas nas localidades e promover projetos político-culturais. Também nesse aspecto os Neabis podem proporcionar grandes contribuições.
Por fim, devemos atentar para o fato de que há um processo de curricularização da extensão em curso na rede federal. Sem adentrar no mérito que esse processo acarreta, foi colocada, objetivamente, a disputa pela hegemonia da visão de extensão que será implantada e incentivada. Uma visão de extensão como espaço para o empreendedorismo e a inovação empresarial-financeira se colocou estrategicamente nas políticas de extensão, dominando espaços dos debates e políticas sociais, culturais e ambientais vinculados à comunidade em que a instituição está inserida, bem como norteando recomposição e objetivos de coordenações e diretorias dos Institutos Federais. É fundamental nos contrapormos a essa visão de extensão, alinhada à apropriação e à cooptação das demandas e lutas da nossa classe por parte da classe burguesa, em prol de uma extensão calcada na formação e na cultura para a emancipação da classe trabalhadora.
Necessitamos ter clareza do que está em disputa na educação
É muito importante que tenhamos clareza do que está em disputa na educação. Estamos retomando o processo de debate e disputa em torno das políticas educacionais em nosso país, em um momento conjuntural favorável ao enfrentamento de várias medidas autoritárias e retrógradas empreendidas após o golpe de Estado de 2016.
No âmbito da educação, o maior retrocesso foi o chamado “Novo Ensino Médio” (Lei nº 13.415/2017) levado a cabo pelo governo Michel Temer mediante a MP 746/2016. No que concerne aos principais aspectos desta contrarreforma, podemos destacar: 1. seu trâmite autoritário; 2. seu cunho individualizante e a promoção de exclusão de disciplinas como Arte, Educação Física, Filosofia e Sociologia; 3. seu caráter excludente/dualista decorrente da implantação dos chamados “itinerários formativos” (cujo formato promove o esvaziamento de conteúdos do currículo e a formação aligeirada), a subjetivação do empreendedorismo, o silenciamento com relação à educação de jovens e adultos e ao ensino noturno e os impactos negativos na formação de professoras e professores.
A contrarreforma do Ensino Médio deve ser apreendida como parte de um conjunto que também envolve, entre outras legislações aprovadas, a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a Resolução CNE/CP nº 2/2019 (BNC-Formação), a Resolução CNE/CP nº 1/2020 (BNC – Formação Continuada), a Resolução CNE/CP nº 1/2022 (Diretrizes Curriculares Nacionais para a EPT), a Resolução CNE/CP nº 1/2022 (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio – EPTNM-Formação) e a Lei nº 14.533/2023 (Política Nacional de Educação Digital). Uma totalidade que também envolve processos de controle e de contenção da dimensão sociedade civil da escola/educação pública por intermédio do controle externo (Escola Sem Partido), do controle interno (interdição de Gestão Democrática via controle burocrático de secretarias estaduais de educação) e da militarização da escola/educação. A essas medidas se somam a precarização das estruturas e os espaços do processo educacional e das condições de trabalho das servidoras e dos servidores, bem como a restrição de organização e mobilização destas e destes.
Trata-se de uma totalidade em movimento que tem como propósito excluir amplas parcelas de estudantes oriundas/os da classe trabalhadora dos conhecimentos historicamente produzidos, “formando-as/os” com o mínimo necessário para que possam ler e fazer cálculos e “orientando-as/os” na subjetivação de que são individualmente responsáveis pelo próprio fracasso (da maioria) ou pelo “sucesso” relativo (de poucos). Isto é, o que está posto é formar a classe trabalhadora para o padrão flexível-neoliberal de reprodução do capital, no qual o mundo do trabalho se apresenta salarialmente aviltado, precarizado, desregulamentado e uberizado e a alternativa apregoada é o empreendedorismo, sob a forma do microempreendedor individual (MEI).
Essa totalidade em movimento também representa um processo de recomposição social, política e cultural, marcada pela condução da classe à degradação intelectual-cultural mais abjeta, posicionando-a de forma favorável à exploração econômica, à dominação política e à opressão ideológica em um contexto de crise capitalista mundial em aprofundamento, cujas características envolvem depressão econômico-social contínua, guerras recorrentes, cataclismo ambiental em progressão, eliminação física crescente de populações superacumuladas e fascismo em ascensão.
O impacto desse processo sobre amplas parcelas da classe trabalhadora, que é conformada por grupos e segmentos diversos e múltiplos, é distribuído de forma ainda mais regressiva e brutal sobre aquelas e aqueles que se encontram em posições mais degradadas materialmente, como negras e negros, mas também indígenas, mulheres, LGBTs, PcDs, imigrantes e ciganas/os.
Sintef-GO e SINASEFE,
Na Luta!