Gabriel Magalhães (Professor do IFAL/Satuba, Diretor do Sintietfal, militante da Unidade Classista)
A PEC 186 (PEC “Emergencial”) foi aprovada no Congresso Nacional e segue para sanção do Presidente da República. Sem sombra de dúvida, tratou-se de mais uma derrota para os servidores públicos dos três entes federativos e para o conjunto da sociedade, afinal de contas, toda ela – uns mais, outros menos, uns direta outros indiretamente – dependente da prestação de serviços públicos, tais como saúde, educação, assistência social, segurança, dentre outros. A aprovação desta PEC num contexto de pandemia, com mais de 270 mil mortos, com as mortes diárias passando de 2 mil e com o sistema de saúde colapsado em todo o país revela mais uma vez que o genocídio para o governo Bolsonaro-Guedes é um projeto político. O genocídio impede a mobilização popular de ocorrer e é utilizada como “janela de oportunidades” para “passar a “boiada” demandada pelo mercado financeiro.
O governo genocida fez questão de condicionar a liberação do humanitário auxílio emergencial à aprovação da PEC Emergencial, relegando milhões de brasileiros à fome e à exposição ao Covid-19 desde janeiro. Já são três meses sem auxílio, justamente os meses que a pandemia no país disparou. Será que a culpa é apenas das festas de Natal, das baladas, da irresponsabilidade individual dos indivíduos, como propaga a grande mídia? Na verdade, esta narrativa só serve para encobrir uma série de razões para o descalabro, dentre elas o fato da mídia ser conivente com a condicionalidade do retorno do auxílio à aprovação da PEC Emergencial.
Pois bem. O miserável auxílio de 2021 terá o teto de R$ 44 bi, quando em 2020 chegou a ser R$ 50 bi ao mês! Um valor baixíssimo por um curto prazo (até 4 meses) quando a pandemia recrudesce de forma inaudita. Não era preciso de PEC para implementar o auxílio qualquer que seja o valor do benefício, bastaria uma MP de aprovação fácil no Congresso Nacional, valendo-se de crédito extraordinário, o qual não iria ferir a EC 95, pois a escalada da pandemia era algo imprevisível. O governo estaria albergado na legislação, sem risco de crime de responsabilidade. Mas não, a chantagem do governo – com a cumplicidade da mídia que culpa a “balada”, o “Natal”, o “carnaval” que não houve pela escalada da pandemia – condicionou o auxílio ao congelamento de salários dos médicos, dos professores, dos enfermeiros, dos assistentes sociais, enfim, de todos os servidores públicos brasileiros.
A derrota é evidente e a PEC 186 se soma aos outros ataques provenientes do golpe de 2016 (EC 95, reformas trabalhista e previdenciária, privatizações, etc) e que devem ser, necessariamente, objeto de reversão num futuro governo popular. Mas uma leitura do fato tem sido apresentada aos 14 milhões de servidores públicos do Brasil e para toda a sociedade, leitura esta que não tem correspondência com os dados empíricos. Mesmo os sinceros companheiros da esquerda estão alardeando que de agora em diante os servidores só terão reajuste em 2036, último ano de vigência da famigerada EC 95. É verdade que a regra do teto de gastos põe entrave para o conjunto da política social e de investimentos públicos, restringindo a ampliação do orçamento da União à inflação do ano anterior – independentemente da arrecadação e das necessidades. Cria-se uma disputa fratricida no interior do serviço público pelo parco espaço orçamentário.
Entretanto, as limitações absurdas da EC 95 não significam vedação absoluta aos reajustes salariais, tanto o é que o governo genocida chantageou para impor à Constituição a nova regra fiscal(ista) segundo a qual os reajustes são constitucionalmente vedados caso a despesa obrigatória atinja 95% das despesas totais do governo (primária). Não ocorreram greves salariais no serviço público federal após a aprovação da EC 95 por motivos de vedação constitucional aos reajustes, mas sim em virtude do clima político ser de derrota para a classe trabalhadora em seu conjunto. Crise econômica permanente, desemprego alto, austericídio, ascensão do neofascismo, esses são os motivos para não termos tido greves de monta desde 2016, afinal boa parte das categorias amargam perdas salariais nos últimos anos.
O governo ultraliberal sabe disso, sabe que ainda há espaço mesmo dentro da camisa de força da EC 95 para reajustes salariais, por isso a PEC 186. Segundo dados do Instituto Fiscal Independente (IFI), vinculado ao Senado Federal e insuspeito de simpatia por uma leitura heterodoxa da realidade econômica, em 2020 a União atingiu a cifra de 92,6% de despesas obrigatórias em relação às despesas totais, o que significa dizer que nos anos seguintes ainda há espaço para ampliação das despesas com pessoal. As estimativas do próprio IFI são de que apenas em 2025 a União atinja os 95% que permitirá o acionamento do gatilho constitucional para vedar qualquer tipo de reajuste salarial.
A PEC 186 é na verdade um subteto do teto de gastos (EC 95). Como dito acima, reafirmamos: só há subteto para blindar a possibilidade de reajuste salarial dos servidores pelo fato da EC 95 em si não vedar os reajustes, desde que dentro do teto. Os servidores públicos precisam saber disso, pois o clima político, econômico, social e até psicológico instaurado desde 2016 tem criado apatia e resignação nos servidores. A lógica de que “não há alternativa” está prevalecendo. A ideia disseminada – mesmo pela esquerda, ainda que com as melhores das intenções – de que é necessário mudar a constituição para ter um mísero reajuste salarial não condiz com os dados orçamentários. É possível sim reajuste salarial, mesmo com EC 95 e com a novidade tóxica da PEC 186! Se os servidores federais da educação, da saúde, da seguridade social, dentre outros não atentarem para isso, em 2022 o governo miliciano utilizará a margem que há pra conceder reajustes para as instituições policiais (PF, PRF) ou altos escalões do aparato de Estado, escanteando os demais.
Recobrar a moral, a confiança dos servidores públicos na sua capacidade de luta e de vender o fiscalismo é essencial. Não é dizendo que a Constituição só permite reajuste em 2036, o que é errado, que se recobrará esta moral! Temos que alardear que é possível sim, dentro da Constituição e do parco espaço fiscal legado pelo entulho neoliberal de Temer e Bolsonaro, ter reajuste para reaver as perdas inflacionárias. Isso sim mobiliza a base! Articuladamente à mobilização em torno da questão salarial e do fato de que há espaço para reajuste, cabe ao sindicalismo combativo e antissistêmico dialogar pacientemente para persuadir os companheiros de que nossa luta é ainda maior, deve derrotar todo o arcabouço legal tóxico proveniente do golpe de 2016: derrubar a EC 95, as reformas trabalhistas e da previdência, a PEC 186, as privatizações das empresas públicas e as iniciativas contrárias às liberdades democráticas e às identidades étnicos-raciais, tão torturadas neste interregno fascistizante da vida nacional.
Para isso, em 2021 a centralidade da luta deve ser a exigência da vacinação pública, gratuita e já!, para toda a população brasileira, de modo a garantir condições objetivas e subjetivas para que em 2022 as lutas tradicionais, à “moda antiga”, voltem a dar a tônica da luta de classes no Brasil. A protelação da vacinação é tudo o que Bolsonaro quer para 2022, restringindo as greves, as mobilizações de rua e todas as iniciativas políticas de corpo-a-corpo no ano eleitoral.
Referência:
PELLEGRINI, Josué. SALTO, Felipe. COURI, Daniel. Análise do Novo Texto da PEC Emergencial. Instituto Fiscal Independente. Cf. http://www.sindjud.com.br/wp-content/uploads/2021/03/CI10_PEC_emergencial.pdf