Sintef-GO realiza debate sobre o Future-se no IF Goiano – Urutaí

No dia 20 de novembro o Sintef-GO esteve no Câmpus Urutaí do IF Goiano para debater o Future-se com a comunidade acadêmica e externa. Os diretores Walmir Barbosa e Sônia Lobo representaram o sindicato, e o Câmpus foi o 11º da Rede Federal em Goiás a ser visitado este semestre para o debate do tema.

Com presença de cerca de 120 pessoas, os professores expuseram as razões pelas quais o Future-se representa a mais profunda reestruturação neoliberal nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) da história. O projeto teve sua primeira versão apresentada em julho pelo MEC, e, em outubro, foi apresentada uma minuta, alterando pequenos pontos do projeto original, como a retirada do artigo que passaria a gestão das IFES para a iniciativa privada via Organizações Sociais.

Em sua fala inicial de exposição, Walmir historicizou o desenvolvimento do ensino superior e técnico no Brasil. O professor destacou que a federalização do ensino começou no Brasil há cerca de 60 anos, com o objetivo de formar quadros técnicos e intelectuais para as recém-instaladas multinacionais, grandes empresas nacionais e a burocracia estatal que se formava e se complexificava.

A partir dessa linha de análise, Walmir explicou que a função primordial das IFES foi atender à dinâmica de produção, reprodução e circulação do capital no país. Isso explica os constantes processos, mais ou menos radicais, de tentativa de fortalecimento de políticas, modelos e uma cultura neoliberais nas IFES. De acordo com o professor, tais processos se iniciaram de forma estrutural a partir dos anos 90, no governo FHC, e continuaram permanentemente até o presente, cuja expressão é o “Future-se”.

Walmir, por fim, defendeu que a presença dos segmentos populares excluídos nas IFES, que aumentaram bastante durante o ciclo de governos petistas, foi resultado das lutas travadas pelos movimentos populares, especialmente o movimento negro e o camponês. Nesse sentido, um projeto que abre as Instituições para a inciativa privada, eventual cobrança de mensalidades, etc, restingirá a presença de determinados segmentos sociais nelas, levando-as à elitização e ao embranquecimento.

“Os ventos democráticos pós-ditadura trouxeram uma disputa dos ordenamentos, projetos de pesquisa, extensão, cursos e do ensino pelas classes populares, como, por exemplo, a luta dos movimentos camponeses pelos cursos de agroecologia e a luta da juventude negra e de baixa renda pelas cotas raciais. A presença desses setores nas Instituições passa a ficar agora seriamente ameaçada”.

A professora Sônia Lobo explanou os detalhes que a segunda versão do “Future-se” apresentou em relação ao primeiro. Ela destacou que o governo recuou em alguns pontos marginais, mas manteve os elementos centrais, que buscam privatizar e mercantilizar a lógica do tripé ensino-pesquisa-extensão adotada pelas IFES.

“A primeira versão alterou 17 leis em vigor e o fez sem diálogo algum com as IFES. Isso gerou uma recusa muito grande de quase todas as instituições, do Conif, dos sindicatos e entidades de trabalhadores e estudantes, então a 2ª versão foi para torná-lo mais palatável: retiraram os itens ‘gestão, governança e empreendedorismo’, mantendo pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, e internacionalização”.

Continua. “O ponto que realmente foi modificado era o que obrigava a Instituição que aderisse ao ‘Future-se’ a contratar uma Organização Social que funcionaria como gestora da IFE. Na nova versão, o contrato será feito diretamente com o MEC através de um contrato de desempenho que definirá questões como prazo de duração, remuneração do pessoal, controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes”.

A professora também apontou outros precedentes abertos pela nova versão do projeto: privatização do patrimônio das IFES, como terrenos, laboratórios, auditórios, centros de eventos, etc; cobrança de mensalidades e vinculação de bolsas de assistência estudantil à participação do estudante em projetos de empreendedorismo e inovação. Por fim, a fonte dos recursos do “Future-se” seria por meio de um fundo próprio do programa e outro denominado “fundo soberano do conhecimento”. A professora Sônia explicou como funciona esse fundo.

“Ele é administrado pelos bancos e instituições financeiras, que serão selecionadas por processo simplificado, ou seja, não passarão pelo processo licitatório tradicional. A União é uma cotista desse fundo, que será negociado na bolsa de valores. E como esse fundo será abastecido e mantido? Pela venda dos produtos desenvolvidos pela pesquisa, startups, patentes, etc. Ou seja, as únicas pesquisas financiadas pelo Future-se são aquelas que darão retorno de lucro imediato, que serão comercializadas. Pesquisas aplicadas, pesquisas básicas, de conhecimento epistemológico e pesquisas caras na área da medicina não terão interesse de financiamento pela iniciativa privada”, explicou e denunciou a professora.

Novos caminhos

No esteio do Future-se, o MEC lançou no dia 8 de outubro o projeto “Novos Caminhos”, que pretende estruturar o ensino técnico no país em torno de três eixos: gestão e resultados; inovação e empreendedorismo; articulação e fortalecimento. De acordo com o próprio MEC, a ideia é catalogar novos cursos técnicos demandados pelo mercado atual, estabelecer novos marcos regulatórios para os cursos privados ofertados por instituições privadas de ensino, aumentar em 80% a matrícula de jovens em cursos técnicos até 2023 e beneficiar até 11 mil estudantes que já têm diploma de curso técnico, conferindo-lhes a condição de diploma superior.

Embora os investimentos do MEC venham sendo reduzidos ano após ano pela própria redução da verba do Ministério, o programa “Novos Caminhos” afirma que serão criadas 21 mil novas vagas nos próximos três anos para formação de professores de matemática e ciências, e 40 mil para professores de educação profissional e tecnológica. O MEC também garante que serão construídos cinco novos polos de inovação nos Institutos Federais e serão investidos R$ 60 milhões em editais de inovação e fomento de startups e desenvolvimento tecnológico.

Conforme explicou a professora Sônia, esse projeto tenta retirar a formação crítica fornecida pelos Institutos Federais, onde o aluno aprende uma profissão, substituindo pelo aprendizado de uma função meramente técnica, comparado com os cursos técnicos do Sistema S. Ela também questionou o suposto interesse da iniciativa privada em se beneficiar das pesquisas desenvolvidas nas IFES.

“Como se faz pesquisa no Brasil? As empresas estão loucas atrás das universidades para que produzam pesquisa para elas? Isso não acontece em lugar nenhum do mundo. Pegarei o exemplo das indústrias farmacêuticas: existem cinco grandes empresas no mundo que controlam a produção de medicamentos. E a pesquisa e desenvolvimento são realizadas nas sedes dessas empresas, não há aproximação profunda entre os interesses das grandes empresas e as IFES, são as IFES que produzem por conta própria. O que ocorre é a aproximação de uma ou outra empresa pequena ou média, mas o grande capital não realiza esse movimento”.

Segundo Walmir, o “Novos Caminhos” na verdade organiza setores favoráveis ao modelo neoliberal de educação e instituição de ensino que já existem na Rede Federal, e aponta que os próximos períodos serão de intensa disputa dentro das IFES, sobretudo dentro de seus conselhos superiores, pelo direcionamento político das Instituições.

“Precisamos entender que o ‘Future-se’, que o ‘Novos Caminhos’, não são simplesmente algo de fora para dentro. Tem uma dimensão de organização do partido Future-se imanente e não organizado dentro dos IFs e universidades. Veja que estou usando a palavra partido para me referir a uma parte do grupo docente, do grupo técnico-administrativo e do grupo discente que acredita na sociedade meritocrática, empreendedora, dos melhores, que ultrarracionaliza os gastos, seja com a sua atividade fim, meio ou gestão”, asseverou o professor.

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