A Nova Conjuntura Brasileira

Por Ariel Franco – jornalista

Walmir Barbosa – secretário-geral 

Deve-se destacar inicialmente que a crise mundial iniciada em 2007/08 não foi superada. A retomada do crescimento da economia dos Estados Unidos e, em nível mais baixo, da Europa não é capaz de assegurar um ciclo econômico estável ascendente. Os níveis de crescimento relativo da China, situados em torno de 6% em 2018, está muito longe de ser capaz de concorrer decisivamente para um grande crescimento econômico mundial.

Desde a crise do capital de 2007/08 teve curso iniciativas voltadas para a sua superação à custa de direitos sociais e trabalhistas, do seu significativo deslocamento dos países situados no centro para os países da periferia do desenvolvimento capitalista, de pressão político-militar sobre regiões produtoras de petróleo e gás natural e de legislações que mitigam impactos ambientais pela via de incidência de custos sobre o capital. Para tanto, coloca-se em movimento um processo mundial que envolve aspectos como a decomposição dos regimes burgueses que contemplam liberdades democráticas e direitos sociais e trabalhistas, o acirramento da disputa política e econômica imperialista pelo controle de regiões estratégicas e pelo mercado mundial e a paralisia das negociações climáticas.

Esse contexto de crescimento econômico pequeno e instável também se faz acompanhado das determinantes primárias que determinaram a crise de 2007/08, qual seja da liberdade de movimentação do capital financeiro e da sua reprodução sem mediação produtiva. Constata-se uma instabilidade financeira capaz de eclodir uma nova crise financeira internacional em um futuro próximo.

Um aspecto que desperta particular atenção é a ascensão, em escala mundial, de movimentos, políticas e regimes amparados no conservadorismo, no autoritarismo e no fascismo. São movimentos que se seguem aos processos de derrotas políticas e organizativas das classes trabalhadoras e que se colocam a serviços de iniciativas contrarreformistas e anti-populares que enredam a superação da crise do capital por meio de custos transferidos para as costas dos trabalhadores. Esses movimentos, fundamentados no crescimento de vertentes politicas de extrema direita, canalizam, dentre outros, ressentimentos das camadas médias ameaçadas de proletarização, frustrações dos trabalhadores assalariados quanto ao que almejavam obter nas democracias liberais representativas e ódios aos imigrantes e aos indivíduos que se orientam fora dos padrões de gênero e religiosos normativos.

O Brasil também passa por esse processo de decomposição dos regimes burgueses acima referidos, mas de uma maneira catastrófica, visto que todas suas instituições minimamente democráticas, bem como os direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras encontram-se ameaçados. A crise do Regime da Nova República, que conviveu com a crise inaugurada com as Jornadas de Junho de 2013 e o aprofundamento da sua desconstrução a partir do Golpe de Estado de Agosto de 2016, deu lugar a transição para um novo regime político cujo fundamento inclui aprofundamento da tutela militar, ampliação do poder de controle social por parte das corporações burocráticas de Estado e restrição da representação política dos trabalhadores e da sua organização e mobilização.

A construção desse novo regime político encontra-se articulado com a construção de um novo padrão de acumulação do capital fortemente marcado por maior presença do capital financeiro internacional no setor de serviços e previdência, pelo controle dos setores decisivos da estrutura industrial por parte das corporações oligopolistas e pela expansão inaudita do complexo agroindústria-agronegócio-ruralismo. Nesse padrão de acumulação o setor produtivo e de prestação de serviços ainda estatizados serão privatizados e as indústrias e demais empresas de capital nativo serão conduzidos à pouca relevância. No que tange à classe trabalhadora, esse padrão tem como itinerários a generalização do trabalho precarizado e o ataque às comunidades (urbanas, rurais, quilombolas, indígenas) que se apresentem como obstáculos à sua reprodução.

A conjuntura que se abrirá em 2019 é de continuidade ao movimento de construção do novo regime político e padrão de acumulação. Será fortemente marcada pela posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, uma espécie de continuidade sob aprofundamento regressista do Governo Temer, aprofundando o conservadorismo, o autoritarismo e as manifestações fascistas, apoiado por meio de uma série de mobilizações de setores de classes médias e das classes trabalhadoras em apoio a pautas conservadoras com o propósito deslocar e obscurecer a centralidade da contradição capital-trabalho. Esse aprofundamento tenderá ser canalizado para sustentar a radicalização neoliberal encampada pelo superministério da economia, com Paulo Guedes à sua frente, mediante privatização generalizada do que resta de patrimônio público, liquidação legal do que resta de direitos sociais, aplicação inclemente da Emenda Constitucional 95/2016 e destruição/privatização da Previdência e Seguridade Social – sendo estas últimas medidas voltadas para a garantia de estabilização da dívida pública mediante a promoção de superávit fiscal primário, pagamento de juros e parte do principal e contenção de riscos de desvalorização do capital monetário superacumulado nela expresso.

Esse contexto pode redundar em novos investimentos de grande capital (corporativo e financeiro) presente no país e atrair capital financeiro internacional que permita um crescimento econômico pequeno e instável, com ampliação de trabalho precarizado. Deve-se ter claro que crescimento econômico ainda que limitado e sob generalização de trabalho precarizado para amplos setores, ao ser articulado a uma mobilização conservadora de massas apoiada em segmentos das classes médias e das classes trabalhadoras, pode vir a fornecer sustentação política e social ao novo governo.

Todavia, deve-se ter claro que esse quadro pode vir a assumir dramaticidade ainda maior, caso um crescimento econômico medíocre (em torno de 2%), subsidiado por meio da ampliação de emprego precarizado e redução de gastos sociais, for frustrado por uma nova instabilidade e crise financeira internacional em um futuro próximo. Nesse contexto, a realização de análises rigorosas dessa conjuntura, o estabelecimento de orientações táticas e organizativas consequentes e a determinação em aplicá-las, tornam-se imprescindíveis.

Frente Ampla e Novo Ciclo de Luta de Classes

Na nova conjuntura que se abrirá em 2019, qualquer projeto político nacional que não passe pelo núcleo do programa democrático da Frente Ampla, qual seja do anti-neoliberalismo, do anti-imperialismo e do anti-monopolismo, materializado na defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais e trabalhistas, dificilmente se tornará viável politicamente nessa quadratura da história. Trata-se, portanto, de constituir uma Frente Ampla em Defesa das Liberdades Democráticas e dos Direitos Sociais e Trabalhistas que caminhe no sentido da constituição de uma dualidade de poderes, a partir da qual possa sair da defensiva política e assumir o protagonismo político, respaldado por ampla base operária e popular. Portanto, o esforço de constituição e fortalecimento da Frente Ampla deve ter como diretriz a unidade dos partidos de esquerda e progressista, a partir da qual se possa articular a defesa: a) dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras; b) da liberdade de organização, manifestação e expressão; c) dos direitos humanos e da dignidade humana; d) da autonomia e democratização do país; e) dos partidos políticos e movimentos sociais; f) do ensino público, laico e crítico; g) da diversidade étnico-racial, de gênero, lgbt; h) das organizações autônomas da classe trabalhadora: movimentos sociais, sindicatos, partidos; e, i) de uma pauta antifascista.

O contexto sócio-histórico de Golpe de Estado, consolidado com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da república, tende a instituir no Brasil uma transição para um tipo particular de bonapartismo bolsonarista, fortalecido pela legitimidade das urnas, por ampla popularidade e base social robusta, disposta a defender os fundamentos e princípios do bolsonarismo. Nesse sentido, a tática ofensiva, implementada à revelia da correlação de forças, pode reforçar o bolsonarismo, o Estado de Exceção e a perspectiva de fechamento progressivo do regime político. Evitar a tática de cisão forçada torna-se de fundamental importância, visto que ações espontaneístas podem comprometer toda a construção de enfrentamento do novo ciclo de luta de classes no Brasil. Assim, a fórmula política da Frente Ampla em Defesa das Liberdades Democráticas e dos Direitos Sociais e Trabalhistas impõe-se enquanto a tática mais adequada para enfrentar o bonapartismo, na medida em que visa constituir uma unidade democrática, articulada pelo conjunto das organizações autônomas da classe trabalhadora e de bases populares progressistas.

O bolsonarismo deve se expressar institucionalmente, em nível dos estados, mediante uma vertente de direita populista autoritária particular. Assim, o bolsonarismo deve se articular e fornecer características às direitas populistas tradicionais, a exemplo do caiadismo em Goiás, avançando com uma agenda antidemocrática e antipopular que tem em vista fortalecer os interesses do grande capital presente em cada uma dessas unidades federativas. Processo que deve se fazer acompanhar de redução de influência e capacidade de competição eleitoral e/ou até mesmo de falência política conjuntural de oposições burguesas formais de centro-direita, ou ainda de deslocamento de posições políticas de centro-direita para a extrema-direita, o que tenderá replicar a polarização político-ideológica nacional nas políticas institucionais nos estados. Nesse caso, além dos enfrentamentos nacionais unificados que a Frente Ampla deverá conduzir, terá que lidar com as manifestações de um tipo particular direita populista autoritária em nível dos estados.

A definição de uma linha política unificada, na qual os partidos e organizações políticas são seus principais sujeitos, deve isolar toda e qualquer manifestação de perspectivas hegemonistas e sectaristas, como forma de se evitar cisões internas e uma derrota histórica da classe trabalhadora. Desde o novo ciclo aberto com as manifestações de 2013, a classe trabalhadora tem sofrido derrotas políticas importantes, todavia, não se tratam de derrotas históricas como a de 1964, na qual se destruiu, inclusive fisicamente, as organizações autônomas da classe trabalhadora e toda uma geração de militantes democráticos, socialistas e comunistas. Apesar dos tempos difíceis, desde as manifestações de 2013, as organizações autônomas da classe trabalhadora têm demonstrado saltos qualitativos importantes, como os apresentados na Greve Geral de 28 Abril de 2017, no Ocupa Brasília de 24 de maio de 2017, e na última semana do segundo turno das eleições presidenciais/2018. Tais eventos apontam para disposição de luta, capacidade de resistência e possibilidade de crescimento e mudança de correlação de forças.

O antipetismo adquiriu um novo formato com o bolsonarismo, tornando-se um elemento de coesão da base social de sustentação de Jair Bolsonaro (PSL). Todavia, um antipetismo de novo tipo que se expressa não somente pela negação do Partido dos Trabalhadores e do lulismo, mas pela negação de toda e qualquer organização autônoma da classe trabalhadora, bem como de princípios democráticos elementares, expressos pela afirmação de uma pauta de liberalismo econômico radical, de um lado; e, de regressão cultural, de outro. O antipetismo, enquanto bandeira de unificação de setores de direita e extrema-direita unificou a classe dominante e aglutinou camadas importantes das classes médias e da classe trabalhadora, de tal forma a abandonar as questões nacionais fundamentais e fazer o enfrentamento político direto.

Frente ao avanço do bolsonarismo, o segundo turno conduziu as forças democráticas a se unificarem em torno da candidatura de Fernando Haddad, cimentando uma aliança horizontal entre forças políticas importantes (que em contextos democráticos seriam adversárias), unificando partidos políticos, movimentos sociais, instituições de Estado ameaçadas, parte mídia, artistas, intelectuais e líderes religiosos. A grande questão que se coloca é a de dar forma e conteúdo a uma unidade que se forjou em grande medida espontaneamente no processo político. Portanto, definir a linha política de unificação das forças políticas, torna-se de fundamental importância, como forma de isolar perspectivas de cisão que procurarão a todo custo um culpado pela derrota sofrida. Assim, a linha política da Frente Ampla deve ser conduzida e dirigida pelas pautas comuns, de tal forma a isolar cálculos políticos oportunistas, hegemonistas e sectaristas. Tal processo exigirá das lideranças políticas a manifestação de suas melhores virtudes: desprendimento e humildade; bem como, capacidade, esforço e disposição de organizadores de alianças.

Nesse contexto, torna-se fundamental o fortalecimento de todas as organizações democráticas da sociedade, para tanto se torna necessário à retomada dos trabalhos de base, como forma de conquistar politicamente setores importantes que compõem a base social de Bolsonaro, bem como, setores expressivos da sociedade que optaram pela abstenção, voto branco e nulo. No novo ciclo de luta de classes abertas, as contradições devem se acirrar progressivamente, o que deve gerar descontentamento generalizado e convulsões sociais recorrentes. Evitar ações intempestivas será um exercício difícil, porém, necessário. O momento histórico exige a estruturação de compromissos, firmados a partir de uma pauta de reivindicações interligada às demandas das classes trabalhadoras explorada do campo e da cidade, como as lutas: a) por melhores condições de vida e trabalho; b) contra a carestia; c) por escola pública de qualidade; d) por saúde pública de qualidade; e) por habitação popular; f) por transporte digno e condizente com as necessidades populares. Assim, a aproximação, preservação e a defesa das organizações autônomas da classe trabalhadora são de fundamental importância, tornando-se necessário a construção do diálogo permanente e de unificação de pautas.

A Frente Ampla só se tornará viável, na medida em que for capaz de aproximar Movimentos Sociais e Populares, Movimento Estudantil, Sindicatos, Partidos, Fóruns, associações institucionais e profissionais e o conjunto de pessoas interessadas em assumir o compromisso de luta, mesmo sem estar diretamente em uma organização política. A Frente Ampla deverá constituir uma rede complexa de relações, no âmbito do pluralismo e da diversidade da classe trabalhadora, de tal forma a constituir uma rede unificada de proteção jurídico-política, bem como a articulação de protocolos de segurança, necessários a garantia da integridade física e moral dos militantes envolvidos no novo ciclo de lutas que se abriu no Brasil.

Por razões práticas, a Frente Ampla deverá definir um calendário de reuniões ordinárias, como forma de: a) manter a coesão política entre os partidos e organizações políticas que dela façam parte; b) manter os acordos firmados; c) constituir pactos unificados de ação política; d) consolidar-se como movimento social e político; e, e)discutir e deliberar sobre os processos de:I. Construção de trabalho de base;II. Confecção e difusão de Materiais e Documentos unificados;III. Comunicação: Articulação de um sistema de agitação e propaganda de largo alcance; IV. Construção de manifestações unificadas;V. Criação de um caixa, responsabilizando as organizações políticas.

A Polarização Política e Ideológica Ocorrerá em Torno dos Direitos Sociais

A conjuntura que se aproxima será profundamente marcada pela polarização em torno dos direitos sociais, com destaque para a continuidade da implementação da Emenda Constitucional n° 95/2016 e do desmantelamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a aprovação da contrarreforma da Previdência. Manifestações e/ou explosões de revoltas sociais espontâneas diretamente vinculada às demandas populares em torno da saúde devem compor a cena politica que se abrirá em 2019. Essa polarização também se estenderá em torno da restrição da quantidade e qualidade dos demais serviços públicos prestados à população e das condições de trabalho, de salários e de exercício de poder envolvendo os servidores públicos em geral.

Controle e repressão às organizações da sociedade civil do mundo do trabalho (sindicatos, MST, MTST, entidades estudantis progressistas, etc.), ataque às representações político-partidárias dos trabalhadores (PT, partidos comunistas, etc.) e violência contra lideranças populares comporão de forma mais intensa a cena conjuntural que se abrirá com a posse de Bolsonaro. Esses processos serão acompanhados por uma atuação do sistema de mídia orientado em favor das contrarreformas neoliberais e relativizador do conteúdo autoritário e excludente das politicas governamentais, bem como por uma guerra de contra informação subterrânea promovida pelas organizações da sociedade civil do mundo do capital.

Balanço das lutas de 2018 e perspectivas para 2019

O refluxo das lutas dos trabalhadores no segundo semestre de 2017, a partir da desmobilização e esvaziamento da Greve Geral de 30 de junho, foi continuado em 2018. A segunda metade de 2017 e todo o ano de 2018 foram marcados pela: ausência de grandes mobilizações sindicais de rua; prevalência de acordos e reuniões entre as cúpulas sindicais e parlamentares centralmente focada na preservação do imposto sindical; esvaziamento das ações de massa e afastamento da perspectiva de uma greve geral dos trabalhadores. Se, de um lado, essa realidade era favorável para que o governo pudesse levar adiante a precarização e privatização dos serviços públicos, a entrega do patrimônio nacional e a prática descarada de corrupção em todas as esferas de poder para aprovar o monumental plano de austeridade que envolve o fim dos direitos trabalhistas e do direito à aposentadoria; de outro lado, a divulgação de provas de corrupção envolvendo diretamente Michel Temer em 2017 e as ações políticas focadas na sua defesa em face de ameaças de ações judiciais e de impeachment, efetivamente esvaziaram o governo.

Caía por terra a aprovação da Reforma da Previdência ao final de 2017, enfraquecendo em definitivo o Governo Temer. A tentativa de explorar um possível efeito eleitoreiro a partir da decretação da ocupação militar no Rio de Janeiro, não redundou nos ganhos políticos esperados em termos de revitalização politica do Governo e de colocá-lo como ator político importante nas eleições de 2018.

O golpe de misericórdia no governo Temer foi a mobilização dos caminhoneiros entre os dias 21 e 30 de maio de 2018, quando evidenciou o completo esvaziamento político do Governo Temer e comprometeu em certa medida o já modesto crescimento do Produto Interno Bruto.

 

A ocupação militar no Rio de Janeiro

Quando o Governo Temer assinou o decreto de intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro, em 16 de fevereiro de 2018, restringindo a autonomia da segurança pública do estado do Rio de Janeiro, colocou de forma direta as Forças Armadas (FA) no centro da vida nacional. Todavia, não apenas como força política de tutela do Governo, mas como força que compartilhava o exercício do poder governamental. Tal realidade ficou explicitada com o peso que as FA passaram a assumir nos diversos escalões do Governo Federal com a eleição de Bolsonaro ao final de 2018.

Para além do fato da intervenção militar ter sido desproporcional e dispendiosa, também trazia uma espécie de aposta eleitoral das forças políticas que compunham o Governo Temer, ao mesmo tempo que fortalecia as FA na conjuntura nacional. Efetivamente, se de um lado, sequer atenuou a violência e criminalidade presente no Rio de Janeiro, por outro lado, ampliou as condições favoráveis para a condução de intervenções militares em outros estados.

A ocupação militar impedia constitucionalmente a aprovação de leis como a da Reforma da Previdência. Todavia, essa ocupação visava, dentre outros objetivos, fortalecer o Governo Temer para readquirir força política para aprová-la no Congresso Nacional.

 

Assassinato de uma suspeita padrão no país: negra, bissexual, oriunda do Complexo da Maré e ativista pelos direitos humanos

No dia 14 de março de 2018, por volta de 21h30, na região central do Rio de Janeiro, um carro com o motorista Anderson Gomes e a vereadora Marielle Franco foi alvejado por homens dentro de um Cobalt prata. Ambos morreram. Marielle acabara de sair de uma roda de conversa com mulheres negras na Lapa, voltava para casa e foi perseguida e morta com 4 tiros, junto de seu motorista, Anderson. Um ano após sua morte, as investigações continuam sem dar respostas concretas sobre quem os matou, a mando de quem e com quais interesses.

Marielle Franco era formada em Ciências Sociais pela PUC-RJ e mestre em administração pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com a tese “UPP – A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”. Militava pelos direitos humanos desde 2000, quando teve uma amiga morta em uma troca de tiros na Favela da Maré. Além do apoio às causas de minorias, como as mulheres e as LGBTs, Marielle se notabilizou por trabalhar junto do deputado federal Marcelo Freixo, também do PSOL, na coordenação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde lutou contra a atuação das milícias, pela legalização do aborto e na prestação de auxílio jurídico e psicológico a familiares de vítimas de homicídios ou policiais vitimados.

Marielle foi símbolo da luta da população negra, pobre e periférica pelo reconhecimento de existir, resistir e ter seus direitos reconhecidos, tendo sido morta por suspeitos de envolvimento com as milícias lideradas por ex-comandantes do BOPE e da PMERJ, numa situação de intervenção federal, onde a segurança pública do estado encontrava-se liderada e tutelada pelas Forças Armadas.

No início de 2019, descobriu-se que Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, esposa e mãe, respectivamente, de Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do BOPE suspeito no assassinato da ex-vereadora, foram funcionárias comissionadas do gabinete de Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado estadual na Assembleia do Rio (Alerj). Ambas trabalharam por mais de 11 anos com Flávio, recebendo um salário de R$ 6.490,35. O PM do BOPE é investigado, além do assassinato, também por possuir vínculos com a milícia carioca da Favela de Rio das Pedras chamada de “Escritório do Crime” ao lado de outros políticos, como o deputado estadual Domingos Brazão (MDB). Flávio Bolsonaro, a despeito das suspeitas que recaem sobre Adriano da Nóbrega, condecorou-o com a medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Alerj, quando era investigado pela participação numa chacina de cinco adolescentes na Baixada Fluminense, em 2003.

Marielle se tornou um ícone da conjuntura atual vivenciada no Brasil, com brutais ataques aos direitos da classe trabalhadora, ferindo especialmente seus setores mais fragilizados e historicamente explorados, como as mulheres negras e LGBTs. Jogou luz também no possível envolvimento dos atuais chefes do governo federal com as milícias cariocas, responsáveis por grilar terras e dominar comunidades através da corrupção, extorsão, formação de currais eleitorais e tráfico de drogas e armas. Sua execução mobilizou diversos atores nacionais e internacionais a homenageá-la e cobrar explicações pela celeridade da investigação, a exemplo da Anistia Internacional, a ONG Human Rights Watch, a Cruz Vermelha e o Escritório de Direitos Humanos da ONU. As homenagens vieram da turma de formandos de diplomatas de 2018 do Instituto Rio Branco, autodenominada “Marielle Franco”, e da bolsa de estudos “Marielle Franco”, do Programa de Estudos Latino-Americanos (LASP) da Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

As mobilizações dos caminhoneiros

Cerca de dois meses depois do furor provado pelo assassinato de Marielle e Anderson, o Brasil parou com a chamada “greve dos caminhoneiros”, que envolveu caminhoneiros proprietários de caminhões, assalariados e empresas do setor de transportes. Formalmente, teve início no dia 21 de maio e terminou no dia 30 de maio. A “greve” teve como reivindicação a luta contra os reajustes sem aviso prévio do preço do óleo diesel, o fim da cobrança de pedágio por eixo suspenso e a eliminação do PIS/Cofins sobre o diesel.

Efetivamente, a “greve dos caminhoneiros” encerrou o Governo Temer e a possibilidade de aprovação de contrarreformas e de privatização de novas empresas públicas. Seu processo expressou claramente as diversas e profundas contradições políticas, reivindicativas, organizativas e ideológicas que se manifestam na classe trabalhadora brasileira atualmente. Tal greve, que teve elementos de locaute em alguns lugares, também expressou a predominância das formas políticas de extrema direita, recebendo amplo apoio de setores vinculados a essa perspectiva política.  De certo modo, antecipou a centralidade que as eleições assumiriam em 2018.

As eleições de 2018 esvaziaram a agenda sindical e popular desde junho

Conforme temos realçado, o Golpe de Estado de 2016 promoveu o colapso final da política de conciliação de classes e o expurgo do poder governamental da representação política com vínculos junto ao mundo do trabalho, favorecendo o avanço de uma perspectiva política conservadora, autoritária e mesmo fascista. Nesse contexto, teve curso um processo no qual a esquerda perdeu o monopólio de mobilização social de amplos contingentes da sociedade, passando a conviver com o poder de mobilização de massa da direita.

Nesse contexto, emergiu o projeto de uma economia profundamente apoiada no capital financeiro, no agronegócio, na agro e minero-industrialização de exportação e nas filiais de grupos oligopolistas internacionais; e uma ordem social na qual mais da metade da classe trabalhadora está submetida à informalidade, precarização, marginalização social e acesso restrito aos direitos sociais. Esse projeto também radicaliza aspectos políticos restritivos e repressivos, pois se criou uma ordem política que no plano formal continua liberal-representativa, porém altamente restrita em relação à representação política de esquerda e do mundo do trabalho, apoiada nas forças armadas e com apoio de um judiciário ainda mais elitista, antipopular, persecutório e seletivo.

A vitória eleitoral de Bolsonaro assegurou a legitimidade do projeto do Golpe de Estado de 2016 e proporcionou condições mais favoráveis para a sua implementação quando comparado àquelas que o governo Temer possuía. As condições de condução do referido projeto serão definidas a partir das possibilidades e dos limites determinados pelo caráter, composição e contradições do governo Bolsonaro, de um lado, e pela capacidade de resistência das forças políticas classistas, populares e democráticas às iniciativas, de outro lado.

A primeira grande luta em 2019 é contra a Reforma da Previdência Social

Um dos centros nevrálgicos do programa econômico do Governo Bolsonaro é a realização da Reforma da Previdência. Retoma-se o velho discurso: “a Previdência trata de forma desigual e protege os servidores públicos à custa dos trabalhadores da iniciativa privada”; “a Previdência está quebrada e por isso é deficitária”; “o governo federal tem que cobrir o déficit da Previdência”; “a Reforma da Previdência tem o objetivo de equilibrar as contas públicas e permitir o governo a investir na saúde, da educação e na segurança”; “com a Reforma da Previdência o país voltará a crescer”.

Inicialmente, lembremos que a Previdência Social é uma conquista dos trabalhadores. Ela garante não apenas a aposentadoria, mas também direitos como licença-maternidade, auxílio-doença e benefícios sociais a idosos.

Como é atualmente a aposentadoria? Homens tem que ter 65 anos e mulheres 60 anos, com o mínimo de 15 anos de contribuição, para poder aposentar. Por tempo de contribuição, os homens tem que ter 35 anos de pagamento e mulheres 30, mas com incidência do Fator Previdenciário – fator 85/95: a soma da idade com o tempo de contribuição, 85 pontos para as mulheres e 95 pontos para os homens, numa escala progressiva que aumenta até 90(mulheres)/100(homens) em 2026.

O que eles querem aprovar na Reforma da Previdência? Inicialmente querem acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição e estabelecer uma aposentadoria apenas por idade, sendo a idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Considerando o tempo de contribuição, com o mínimo de 15 anos os trabalhadores teriam apenas 60%, sendo a aposentadoria integral (100%) somente após 40 anos de contribuição. A Reforma da Previdência também visa restringir: o valor dos benefícios e das pensões; os benefícios previdenciários como auxílios doença e acidente, licença-maternidade, etc.

Também estão sendo discutidas a criação de uma alíquota complementar de 22% para os servidores públicos, a redução do valor dos benefícios para 60% com aumento progressivo conforme o tempo de contribuição e a redução do valor das pensões. Avalia-se ainda a decretação do fim do Benefício de Prestação Continuada (BPC), atualmente equivalente a um salários mínimo pago a idosos de baixa renda, e a sua substituição por um benefício a todos os idosos com idade acima de 65 anos, inferior ao salário mínimo.

Outro aspecto importante: a criação do chamado “modelo de capitalização”, o que na prática é a privatização da Previdência e sua entrega ao capital financeiro, pois passaria a ser realizada por fundos privados criados pelo capital financeiro.

Querem realizar uma reforma da Previdência que, de um lado, aumente a idade mínima e o tempo de contribuição e corte benefícios, e que, de outro lado, mantenha isenções fiscais às empresas e privilégios às corporações públicas (Judiciário e Militares) e que transforme a previdência em uma nova frente de acumulação do capital financeiro.

O que fazer? Inicialmente, temos que ter clareza de que são inúmeras as proposições de ataque aos direitos de aposentadoria dos trabalhadores. Os enfrentamentos determinarão o resultado final; isto é, se enterraremos novamente a Reforma da Previdência como em 2017 e qual será o grau de brutalidade contra os direitos previdenciários dos trabalhadores.

Uma coisa é certa, temos que realizar plenárias unificadas nos estados e regiões e organizar a luta contra a Reforma da Previdência!

Orientações políticas para a atuação do Sintef-GO em 2019

 

Orientações de Lutas Políticas Gerais

– Pela imediata revogação da Emenda Constitucional 55/2016, que limita por 20 anos os gastos públicos;

Pela imediata revogação da reforma trabalhista que retirou direitos históricos da classe trabalhadora;

– Participação ativa no Fórum Goiano Contra as Reformas da Previdência e Trabalhista e na Frente Povo Sem Medo, tendo em vista a luta antifascista, a defesa das liberdades democráticas e dos direitos sociais e trabalhistas;

– Apoio e solidariedade ativa aos movimentos sociais; que cada seção busque participar, em conjunto com os movimentos sociais, das atividades e mobilizações em seu estado;

 

Orientações de Lutas Políticas Educacionais

– Pela imediata revogação da Lei nº 13.415/2017, que reformula/desestrutura o Ensino Médio e a formação de professores da Educação Básica no Brasil;

– Pela revogação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em novembro do corrente ano, que normatizam a educação à distância no Ensino Médio, os Itinerários Formativos com seus quatro eixos obrigatórios e o novo ENEM após 2022;

– Pela revogação plena da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) destinada ao Ensino Infantil, Fundamental e Médio;

– Em defesa da liberdade acadêmica de docentes e TAE’s e da escola sem mordaças;

– Em defesa do ensino integrado, holístico e emancipador na Educação Profissional voltado ao Ensino Médio, formação de professores e demais modalidades ofertada na Rede Federal de educação;

-Em defesa dos PROEJAS e das Licenciaturas nos Institutos Federais do Centro-Oeste brasileiro;

– Em defesa da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica a serviço das necessidades imediatas da classe trabalhadora e demais setores das camadas populares;

– Em defesa dos TIC’s e da EAD como ferramentas pedagógicas e não como instrumentos de substituição do ensino presencial e seus educadores;

– Em defesa da gestão democrática e da permanência das eleições dos dirigentes (reitores, diretores e conselheiros em órgãos superiores) nos Institutos Federais;

– Intensificação dos debates e organização contra as opressões de gênero, étnico-racial e de orientação sexual.

Orientações Políticas de Fortalecimento do SINASEFE e suas Seções Sindicais

– Buscar maior aproximação com a comunidade interna e externa da Rede Federal mediante diferentes e acessíveis formas de linguagem;

– Articular as seções sindicais regionais mediante a criação de fóruns permanentes de avaliação e planejamento e de promoção de processos de formação politica continuada;

– Contribuir com a reorganização das seções sindicais inativas ou com dificuldades organizativas;

– Articulação entre o Jurídico das seções sindicais do SINASEFE.

Sintef-GO,

 Na Luta!

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