Arrefecimento da luta no segundo semestre de 2017 e sinalizações para 2018

Após esvaziamento da greve nacional em 30 de junho, centrais sindicais marcaram nova paralisação em dezembro e cancelaram quatro dias antes

O segundo semestre de 2017 destoou do primeiro. A primeira metade do ano foi marcada pelo protagonismo do movimento popular e sindical, mostrando sua força e poder de mobilização na histórica paralisação nacional de 28 de abril, no ato contra a Reforma da Previdência em 15 de março e na marcha à Brasília de 24 de maio.

A segunda metade, que podemos demarcar, politicamente, a partir da desmobilizada e esvaziada greve geral de 30 de junho, foi marcada pela inexistência de grandes atos de rua, prevalência de acordos e reuniões entre as cúpulas sindicais e parlamentares, esvaziamento das ações de massa, cancelamento de uma greve nacional e sinalização verde para o governo de que pode seguir levando adiante a precarização e privatização dos serviços públicos, a entrega do patrimônio nacional e praticando descarada corrupção em todas as esferas de poder para aprovar o monumental plano de austeridade que envolve o fim dos direitos trabalhistas e do direito à aposentadoria.

Nesse sentido, não há datas específicas para serem lembradas, como houve na retrospectiva do primeiro semestre. Mas existem movimentações gerais da classe trabalhadora não menos importantes que devem ser colocadas.

MP 805 / PDV

Quando Michel Temer lançou a MP 805 – posterga reajustes salariais e aumenta a contribuição previdenciária de 11 para 14% de todos os servidores da União – e o Programa de Demissão Voluntária (incentivo à demissão de servidores públicos federais, em que o trabalhador que se demitir recebe 1,25 do salário por ano trabalhado, além de facilitar a retirada de licença não-remunerada e a possibilidade de reduzir a carga horária semanal de trabalho com redução salarial proporcional), diversas categorias de servidores, até então dispersas, se organizaram em uma mesma frente de luta contra os ataques perpetrados pelo governo. Reunidos na sede do Sindicato dos Policiais Rodoviários de Goiás, no dia 21 de agosto, foi criada a Frente dos Servidores Federais de Goiás (FSF-GO). A Frente é composta por entidades classistas representantes de Auditores Fiscais do Trabalho e da Receita, analistas tributários do fisco, servidores do INCRA, policiais (federais e rodoviários, além de peritos criminais e delegados federais), professores da UFG e oficiais de inteligência da Abin.

Ao longo do segundo semestre, a FSF foi responsável pela organização de diversas atividades, como panfletagens em estradas, blocos em manifestações e, a principal delas, uma audiência pública com os deputados federais goianos, realizada em outubro, que mobilizou mais de 100 pessoas. A pauta discutida foi a série de reformas e medidas que afetam os trabalhadores do serviço público e a sociedade, como a contrarreforma da previdência.

No dia 21, também foi organizada uma caravana nacional à Brasília da Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (FENASPS). As reivindicações, que ecoavam a insatisfação geral com as contrarreformas do governo Temer, se somavam à cobrança pelo cumprimento de acordos de greve específicos das categorias representadas pela Federação. A FENASPS é a entidade classista dos trabalhadores do INSS, em âmbito nacional, e de servidores estaduais da saúde em algumas unidades da federação.

Mobilizações camponesas

O MST e outras entidades representativas de camponeses e trabalhadores rurais não se omitiram e também organizaram atividades de luta em defesa de suas pautas, além das reivindicações gerais de toda a sociedade contra o governo. Durante todo o segundo semestre do ano passado, ocorreram atos de rua, audiências e ocupações de terras e da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego).

O mês de outubro foi o mais intenso, com o advento da Jornada Nacional do Campo em Defesa da Reforma Agrária. O MST ocupou latifúndios, ruas e prédios públicos no Brasil todo pelo descontingenciamento do orçamento para a Reforma Agrária, pela liberação de terras para a produção de alimentos saudáveis e contra a retirada de direitos implementada pelos governos estaduais e federal.

As principais ocupações foram realizadas no Ministério do Planejamento, em Brasília, na sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em João Pessoa e, no dia 15 de outubro, cerca de 300 famílias ocuparam a Fazenda Rasgão, com mais de 2 mil hectares e abandonada há 10 anos. Mais de mil famílias participaram dessas ocupações.

Entre as principais pautas da Jornada, o MST denunciava as novas ofensivas contra a Reforma Agrária, como a titulação dos assentamentos e a lei de grilagem, definindo-as como estratégias do governo federal para continuar promovendo a concentração fundiária e a estrangeirização das terras em todo país. Além disso, exigiam a recomposição do orçamento e das políticas para Reforma Agrária, chamando atenção para os cortes das políticas de infraestrutura dos assentamentos, de créditos para a reforma agrária – como o Fomento Mulher – para o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) e outros retrocessos que vêm dificultando cada vez mais a vida do trabalhador rural.

Mobilizações dos trabalhadores da cidade

O fim do mês de agosto marcou um evento importantíssimo para a economia nacional, que, no entanto, passou a margem de divulgação nos grandes meios de comunicação e até da lutas dos trabalhadores. O presidente Temer vetou a auditoria da dívida pública federal, que consome quase 2 trilhões do PIB brasileiro, ou seja, 77,5% do PIB. A auditoria, que havia sido vetada também pela ex-presidente Dilma em 2016, é um dos principais afluxos de dinheiro público para os bancos. Com a dívida, o país fica refém do sistema financeiro, que fornece crédito para o governo em troca da emissão de títulos da dívida, com juros altamente rentáveis, e faz com que o governo deixe de investir recursos no desenvolvimento nacional, nos serviços públicos, nas universidades etc para pagar os juros e amortizações da dívida.

Mas o mote da campanha que unificou os trabalhadores, principalmente do setor público, foram mesmo as medidas trazidas na MP 805/2017 e a PEC 287, que reforma a previdência social. O Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (FONASEFE) e o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (FONACATE), que, juntas, representam quase a totalidade das diferentes categorias de servidores públicos vinculados à União, passaram a atuar em conjunto para fortalecer a luta.

Na manhã do dia 30 de agosto, as entidades organizaram uma audiência pública na Alego, precedida de manifestação na Praça Cívica. 14 de setembro, dia nacional de mobilização puxada pelo FONASEFE, houve a participação de trabalhadores da iniciativa privada. Metalúrgicos cruzaram os braços em diversos estados, contra a reforma da previdência.

O mês de setembro também foi data de tradicionais eventos organizados pelos movimentos sociais, que ocorrem todos os anos, independente das mobilizações conjunturais de pautas específicas. No Dia da Independência (7/9), ocorreu o Grito do Excluídos em Goiânia, na praça do CAIC do Jardim Curitiba I. O evento, organizado pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), contou com atividades culturais, teatro, assembleia popular e a simulação de um Tribunal Popular do governo Temer. No dia 10 do mesmo mês, aconteceu a Parada Gay na capital, tradicional marcha em defesa dos direitos e da afirmação da cultura LGBT.

Conhecimento sem cortes

A campanha que agrega a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e diversas associações e sindicatos de trabalhadores da educação no Brasil, ganhou destaque no primeiro semestre pela ação da ADUFRJ (sindicato dos professores da UFRJ), no Rio, que colocou um painel na capital fluminense com os números perdidos pela ciência e tecnologia no país com os cortes orçamentários, chamado “tesourômetro”.

No segundo semestre, outros “tesourômetros” foram instaladas em outras capitais, e o movimento “conhecimento sem cortes” articulou ações junto à classe política, enviando um abaixo-assinado com mais de 80 mil assinaturas aos parlamentares. Os representantes mantiveram a ideia do conhecimento científico como fator de divulgação junto à população por orbitar em torno dele itens como desenvolvimento social, soberania nacional, manutenção do ensino superior público e pesquisa e extensão de qualidade.

Paralisações de novembro e a segunda greve traída

Ações conjuntas articuladas pelos fóruns de servidores, aliadas a entidades classistas da iniciativa privada, levaram à paralisação nacional de 10 de novembro. A data coincidiu com a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, e promoveu manifestações em todas as capitais do Brasil. Em Goiânia, reuniu trabalhadores, estudantes e militantes de movimentos populares e sindicais, com a participação do Sindicato dos Trabalhadores em Instituições Tecnológicas Federais de Educação – Goiás (Sintef-GO).

No dia 28 do mesmo mês, os fóruns de servidores públicos organizaram a caravana nacional à Brasília, com o objetivo de construir uma grande manifestação na capital federal que pressionasse os parlamentares contra as reformas que retiram direitos dos trabalhadores, além da revogação da EC 95 (“PEC do Teto”, que congela investimentos públicos por 20 anos). Em Goiânia, as categorias que compõem a FSF-GO marcaram presença.

Contudo, o ano encerrou de forma trágica para os movimentos populares brasileiros. Com a sinalização de que o governo votaria a Reforma da Previdência ainda em dezembro, as centrais sindicais convocaram greve geral nacional para o dia 5 do mesmo mês. Contudo, após negociações de gabinete, as maiores centrais cancelaram a greve no dia 1º de dezembro, faltando apenas 4 dias, quando diversas categorias já haviam feito assembleias e aderido à paralisação.

A greve cancelada foi a segunda no mesmo ano que passou pelo mesmo processo (convocação e esvaziamento nos últimos instantes antes de sua concretização). No dia 30 de junho, quando havia sido convocada uma greve geral contra as reformas trabalhista e da previdência, nos moldes da histórica paralisação de 28 de abril, as maiores centrais recuaram de última hora e mantiveram apenas convocatórias para “mobilização”, e não “paralisação”.

Refluxo e perspectivas para 2018

A greve traída de 5 de dezembro ainda não aponta de forma clara em que pé a desmobilização promovida atingiu a classe trabalhadora. No início desse ano, o governo Temer começou lançando seu primeiro ataque com a extinção de mais de 61 mil cargos na administração pública, sem qualquer debate com a sociedade e os trabalhadores das áreas afetadas.

A carreira dos técnico-administrativos em educação (TAEs) foi uma das mais atingidas, com a extinção de cargos como auxiliar de laboratório, auxiliar de agropecuária, auxiliar de biblioteca, fotógrafo etc. Tais cargos serão, naturalmente, terceirizados a partir de agora. Alguns deles, como auxiliar de laboratório e auxiliar de agropecuária, contam hoje com 641 e 889 servidores na ativa, respectivamente, desmentindo a versão oficial de que apenas funções atualmente inexistentes na administração pública foram extintos.

Por outro lado, com a indicação de que a votação da Reforma da Previdência deve ocorrer em fevereiro, diversas entidades classistas – entre elas as centrais sindicais – já apontam o dia 19 de fevereiro como data de greve geral contra a PEC 287/2017. Aí, na construção do dia 19, será possível, sem dúvida, avaliar o grau de disposição das grandes centrais para a luta e como os dois últimos refreamentos das greves de 30 de junho e 5 de dezembro afetaram a organização da classe trabalhadora no Brasil.

 

 

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